Escravos do Mundo Livre

Esteta ou Asceta? Nada disso, no fundo: Divagações de um pateta...

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Maldição Sinestésica

Por onde repousam meus olhos, enxergam filmes. Tenho visto longas em toda parte. Até o olhar mais distraído cria cenas belíssimas, planos inefáveis. O ângulo perfeito pra espreitar a mulher-menina e adivinhar seus desejos num close. A mimese perfeita. A emoção despertando transcendência. A catarse. O universo paralelo que desvela o nosso, a vida enquadrada, mas livre, na cena derradeira. Tudo isso, as mais lindas imagens conjugadas a simétricos sons, são forjadas em minha cabeça - espelho. Meus ouvidos ouvem músicas sem parar. Na rua, entre as pessoas, imóvel, durante as refeições. Harmonias belíssimas, com pausas, recuos e avanços em arranjos escutados por inteiro. No barulho, no silêncio, ouço músicas em seus detalhes mais secretos. Contam histórias, desvendam mundos, revelam segredos que só os sons dizem para mentes sensíveis. Minha cabeça pensa romance. Meu passado é narrado em terceira pessoa a mim mesmo. O pensamento lê contos em todo canto. Minha vida é ficção em prosa e verso. Cada segundo é descrito com esmero. A estética é tecida a cada palavra, maturada em seu reino, onde o tempo não é perverso e ligeiro como o nosso. Penso literatura. Clássicos nascem lidos nas torrentes de meu pensamento. Os elos, ora firmes ora frouxos, são correntes que contam as mais belas estórias. O que escapou aos gregos, aos modernos e pós-modernos eu trago aqui dentro, acabado e refeito a cada instante. O por vir é talhado em minha mente. Vejo cores. Sinto sabores. Cheiro cheiros. Toco texturas. Sempre, a cada instante. É terrível. É uma maldição. Por que não consigo traduzir? Detesto guardar, acumular isso em mim. Esquecer o eterno, o inesquecível. Penso como Salieri*, maldizendo deus por tê-lo dotado de verdadeiro amor pela música e tê-lo negado o talento para realiza-la. Choro como quem perde o amor, para sempre... Esses segredos me dão prazer e dor. Torturam-me surdamente. Gero o não nascido. É um triste parto e a dor do aborto é só, só minha.

* Antonio Salieri é um personagem angustiado do filme Amadeus de Milos Forman. Ele tem uma relação de respeito e desprezo por Mozart. Ele inveja e admira o então jovem compositor. Todos temos um pouco de Salieri, mas eu espero ter exorcizado-o aí em cima. Belíssimo filme!

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