Escravos do Mundo Livre

Esteta ou Asceta? Nada disso, no fundo: Divagações de um pateta...

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Memória virtual para Borges

Israel

Um homem encarcerado e enfeitiçado,
um homem condenado a ser a serpente
que guarda um ouro infame,
um homem condenado a ser Shylok,
um homem que se inclina sobre a terra
e que sabe que esteve no Paraíso,
um homem velho e cego que há de destruir
as colunas do templo,
um rosto condenado a ser máscara,
um homem que apesar dos homens
é Spinoza e o Baal Shem e os Cabalistas,
um homem que é o Livro,
um homem que louva do abismo
a justiça do firmamento,
um advogado ou um dentista
que dialogou com Deus na montanha,
um homem condenado a ser o escárnio,
a abominação, o judeu,
um homem lapidado, incendiado
e atirado em câmaras letais,
um homem que se obstina em ser imortal
e que agora voltou à sua batalha,
à violenta luz da vitória,
formoso como um leão ao meio-dia.

Milonga De Manuel Flores

Manuel Flores vai morrer
Isso é moeda corrente
Morrer é um costume
Que sabe ter toda a gente

Amanhã virá a bala
E com a bala o olvido
Disse o sábio Merlin
Morrer é haver nascido

Apesar disso me dói
Despedir-me da vida
Essa coisa tão de sempre
Tão doce e tão conhecida

Olho na alba minhas mãos
Olha nas mãos as veias
Com estranheza as contemplo
Como se fossem alheias

Quanto coisa em seu caminho
Esses olhos terão visto
Quem sabe o que verão
Depois que me julgue Cristo

Manuel Flores vai morrer
Isso é moeda corrente
Morrer é um costume
Que sabe ter toda a gente

Invocação a Joyce

Dispersos em dispersas capitais,
Solitários e muitos
Brincávamos de ser o primeiro Adão
Que nomeou as coisas.
Pelos vastos declives da noite
Que lindam com a aurora
Buscamos (lembro ainda) as palavras
Da lua, da morte, da manhã
E dos outros hábitos do homem
Fomos o imagismo, o cubismo,
Os conventículos e seitas
Que as crédulas universalidades veneram
Inventamos a falta de pontuação,
A omissão de maiúsculas,
As estrofes em forma de pomba
Dos bibliotecários de Alexandria.
Cinza, a faina de nossas mãos
E um fogo ardente nossa fé.
Tu, enquanto,
Nas cidades do desterro,
Naquele desterro que foi
Teu aborrecido e eleito instrumento,
A arma de tua arte,
Construídas teus árduos labirintos,
Infinitesimais e infinitos,
Admiravelmente mesquinhos,
Mais populosos que a história.
Teremos morrido sem haver divisado
A biforme fera ou a rosa
Que são o centro de teu dédalo,
Mas a memória tem seus talismãs,
Seus ecos de Virgílio,
E assim nas ruas da noite perduram
Teus infernos esplêndidos,
Tantas cadências e metáforas tuas,
Os ouros de tua sombra,
Que importa nossa covardia se há na terra
Um só homem valente,
Que importa a tristeza se houve no tempo
Alguém que disse feliz,
Que importa minha perdida geração,
Esse vago espelho,
Se teus livros a justificam
Eu sou os outros. Eu sou todos aqueles
que teu rigor obstinado resgatou.
Sou os que não conheces e os que salvas.

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A verdade dói, mas quem sabe eu ñ sou masoquista? Diz aí:

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