Escravos do Mundo Livre

Esteta ou Asceta? Nada disso, no fundo: Divagações de um pateta...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Roberval – O contra-baixista desgostoso

Numa fria e chuvosa tarde de nossa metrópole, chega a meu consultório um indivíduo abatido e taciturno; seu nome, Roberval. A mim encaminhado por Laçan, psiquiatra do interior, por apresentar um quadro aparentemente depressivo, pois o paciente não respondera bem a farmacoterapia e Laçan notara que uma psicoterapia, na medida em que reavivasse algum sentido oculto em sua vida, poderia ser mais eficaz e duradoura.
Na anamnese, Roberval relatou os seguintes sintomas: apatia, completa desesperança, desânimo crônico, hipersonia, baixa auto-estima, pessimismo extremo (somente em relação a si próprio, já que via o mundo sem ele como perfeito), disse, inclusive, já ter pensado em suicídio. Outro complicador é que ele, no início, parecia não se compatibilizar com a TCC, ao demonstrar desinteresse no engajamento ao empirismo colaborativo, pois não acreditava na mudança a partir de si mesmo.
Roberval tinha então 23 anos de idade e nunca havia trabalhado, a não ser num supermercado por dois meses, saindo ao término desse período por não se adaptar ao ritmo de trabalho. Nesse emprego se sentia inepto para empacotar as compras. Achava aquilo tudo sem sentido e se sentia um inútil, pensamento, aliás, recorrente em sua fala. Também achava as pessoas que ali iam vazias e consumistas, seus colegas falsos e seus superiores gananciosos e mesquinhos. Sentia falta de sua infância, quando corria nos prados sob chuva torrencial.
Era um pouco desleixado com sua aparência, pois não se importava muito com roupas e bens materiais em geral. Sentia-se feio e sem atrativos. A despeito da desilusão com sua vida, sentia um grande prazer, ainda que solitário, com a música. Gostava de tocar contrabaixo acústico e, apesar de seus amigos o considerarem um bom músico, ele se dizia medíocre, sendo essa uma das grandes tristezas de sua vida.
Roberval nasceu em uma pequena cidade do interior e recorda com um tom nostálgico sua infância dizendo ter sido uma época muito feliz de sua vida, apesar de não ter se dado conta disso no momento. Não acredita poder recuperar aquela felicidade perdida. Tinha um relacionamento muito bom com a família, apesar de ter se distanciado dela depois. Fala, sobretudo de seu avô com muita admiração, dizia-o ser um homem forte e muito alegre, até o fatídico momento em que sofre um acidente no campo vindo então a se acamar, quando perde todas suas esperanças de recobramento, entrando então em profunda depressão. Vem a morrer depois de pouco tempo. Esse fato o marcou muito, diz ter sido o seu primeiro contato com a morte e com a tristeza, na qual mergulhou nos anos vindouros de sua vida.
Seu pai trabalhava na cidade e estava sempre ausente. Sua mãe cuidava da casa e era muito carinhosa e permissiva com ele, que por ser filho único e ter um pai distante, recebia muita atenção. Embora fosse muito reservado, Roberval fez algumas amizades durante a infância e adolescência. Mas se recente do afastamento atual dos amigos, que ou se casaram e não o procuram mais com freqüência, ou estão trabalhando fora e estudando, também não tendo tempo para a velha amizade.Desde que terminou o segundo grau, não sabe o que fazer de sua vida. Não tem religião e se diz ateu. Só teve um relacionamento sério com uma garota, Camila. Apegou-se muito a ela nos cinco meses de namoro, tendo uma grande decepção quando ela não quis mais continuar o relacionamento. Terminara com ele por o achar distante. Roberval diz que gostava muito dela, e que aquele era seu jeito, não sabia expressar bem seus sentimentos e se expor em tão grande empresa. Mesmo tendo afeto em seu coração taciturno, não conseguia externalizá-lo, mantendo-o represado.


Essa historieta (carinhosamente chamada de estudo de caso) exigida numa disciplina na UF, foi escrita a quatro mãos com meu amigo Zé.
Contraditoriamente, ela representa o oposto do q estou sentindo nesse exato momento, uma euforia e friozinho na barriga q não cabem em mim...

sábado, 3 de janeiro de 2009

O caroço

Apareceu um caroço no meu olho. E não estava nas bordas das pálpebras, perto dos cílios. Estava no olho mesmo, mais precisamente na minha íris. Era incolor e toda tarde coçava. Será que apareceu porque eu tinha visto muita coisa? Ou será que via tão pouco que ele surgiu pra eu voltar a ver? Ou eu não via nada, o caroço que via por mim? Não sei, nunca entendi.
Quando coçava, não dava descanso. A não ser aquela vez que te vi na janelinha. E então? Será que ele era o desejo de te ver? Ou apareceu quando te conheci? Tinha pesquisado todo o rol de doenças oftalmológicas. Tinha passado pomadas e me benzido. E nada! A única solução tinha sido mesmo a janelinha com você dentro, dizendo doçuras disfarçadas pra mim.
Um belo dia, sensação estranha: parou de coçar. No outro, desapareceu. No seguinte... nunca mais te vi!