Escravos do Mundo Livre

Esteta ou Asceta? Nada disso, no fundo: Divagações de um pateta...

quinta-feira, 31 de maio de 2007

"O Verbo se fez carne e habitou entre nós"

Não será menos um enigma esta folha
do que as dos Meus livros sagrados
nem essas outras repetidas
pelas bocas ignorantes
julgando serem de um homem e não espelhos
obscuros do Espírito.
Eu que sou o É, o Foi e o Será,
volto a condescender com a linguagem,
que é tempo sucessivo e emblema.
Quem brinca com uma criança brinca com algo
próximo e misterioso;
eu quis brincar com os Meus filhos.
Estive entre eles com espanto e ternura.
por uma obra de magia
nasci curiosamente de um ventre.
Vivi enfeitiçado, encarcerado num corpo
e na humildade de uma alma.
Conheci a memória,
essa moeda que nunca é a mesma.
Conheci a esperança e o temor,
esses dois rostos do incerto futuro.
Conheci a vigília, o sono, os sonhos,
a ignorância, a carne,
os torpes labirintos da razão,
a amizade dos homens,
a misteriosa devoção dos cães.
Fui amado, compreendido, louvado e pendurado numa cruz.
Bebi a taça até às fezes.
Vi com os Meus olhos o que nunca tinha visto:
a noite e as suas estrelas.
Conheci o brilhante, o arenoso, o ímpar, o áspero,
o sabor do mel e das maçãs,
a água numa garganta de sede,
o peso de um metal na palma da mão,
a voz humana, o rumor de uns passos sobre a erva,
o cheiro da chuva na Galileia,
o alto grito dos pássaros.
Conheci também a amargura.
Encomendei esta escritura a um homem qualquer;
nunca será o que quero dizer,
não deixará de ser o seu reflexo.
Da Minha eternidade tombam estes sinais.
Que outro, não o que é agora o seu amanuense, escreva o poema.
Amanhã serei tigre entre tigres
e pregarei a Minha lei à sua selva,
a uma grande árvore na Ásia.
Por vezes penso com nostalgia
no olor dessa carpintaria.

João, I, 14

terça-feira, 29 de maio de 2007

Hoje

Num dia do homem estão os dias
do tempo, desde aquele inconcebível
dia inicial do tempo, em que um terrível
Deus prefixou os dias e agonias

até aquele outro em que o ubíquo rio
do tempo terrenal torne à sua fonte
que é o Eterno, e se apague no presente,
o futuro, o ontem, o que agora é meu.
Entre a alva e a noite está a história
universal. Do fundo da noite vejo
a meus pés os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dá-me, Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia.

“James Joyce”, Jorge Luis Borges

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Sprite 1 x 0 Skinner

1- Temperatura; Luminosidade; Umidade; Chet Baker; Movimentos externos; Mudança de ambiente.

2- V. Ambientais: Temperatura, Luminosidade, Umidade, Espaço físico
V. Independentes: Vida
Respostas do Organismo: Triviais, falsas, porém sedutoras...
V. Intervenientes: Tempo de Privação da Cobaia: 24 horas suíças
V. Estranhas: Movimentos externos, Ruídos externos

3- No início do experimento o reforço era ministrado a cada dois minutos, assim Sprite condicionou-se rapidamente num tempo médio de 3/2 segundos, e a partir da 18º tentativa, manteve seu tempo de reação inferior a 4 segundos.
A segunda parte do experimento consistia em liberar o reforço (água) somente quando a cobaia cruzasse com seu delicado focinho a metade esquerda caixa de Skinner. Inicialmente o rato demorou de 10 a 20 segundos para retornar ao bebedouro, mas ao fim do experimento ele retornava ao mesmo, numa média de 3 a 2 segundos celsios.

4- 38

5- A curva do gráfico segue uma certa constância, exceto quando foi alterado o procedimento utilizado. Notamos que nas tentativas 29/31, o tempo de reação em segundos da cobaia deu um salto considerável. Desse modo, concluímos que Sprite lê Borges, toma Coca-Cola e ri dos prisioneiros que estão do outro lado da caixa.

domingo, 20 de maio de 2007

Apaga-se uma estrela, abre-se um leque

Eu tinha um mundo, escolhi vagar
Hora de escutar minha voz em solo novamente
A sorte está lançada

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Aquele gambá morto na calçada sempre retorna a minha memória. Ah se eu tivesse uma câmera digital ali. Agora tenho que me valer do fraquíssimo potencial descritivo da minha cachola.

O Gambá

Era o percorrer de uma estrada só de volta
Uma trilha sempre pisada
Uma noite qualquer, morno retorno, normal impulso
Mas no meio do caminho havia um gambá
Em frente a porta de uma bela casa
Eu não sei como ele foi morrer ali
Já conjecturei diversas mortes
Mas ali, no passeio, numa rua do centro
Longe dos morros, longe dos matos
Um animal assassinado jazia
Inesperado ou propósito de horror

E que cena!
A pancada foi forte, embora estivesse intacto
Deitado de lado, corpo mole, cara crispada
Sangue esguichado pela boca e fucinho
Formava uma poça vermelha
Pelo eriçado, rabo elevado
Monte de fezes na reta do cu

Era escuro, cinza fosco, com manchas claras
Olhos sim, negros, malévolos, fixos
Dentes pra fora, pontiagudos, em prontidão
Sua atual visão, apesar de terrificante
Era atraente, um deleite ao olhar
Pavor, perdeu mais de 21 gramas ao morrer
Nada restou, alem de uma cena
Nada restou
Nada
Nonada
No Nada
Never more
Never


Ah, o casamento foi chato e gambás, tal qual tamanduás, comem formigas...

sábado, 19 de maio de 2007

De que altura as formigas precisam cair pra morrer?

Hoje tem casamento. Vou com minha mãe, minha camisa negra e meu modesto olhar antropológico. Deve ser o terceiro ao qual compareço em minha vida. Não sou muito afeito a tradições, embora pratique muitas sem saber. Vou olhar mais um rito, depois beber e falar mal da tão (de)cantada vida de casado. Sorte pra eles, sorte pra todos nós.
E, eu também tenho uma decisão a tomar. Talvez tão importante quanto a dos noivos, por que não? Mas como eles, só saberei no futuro o peso de minhas escolhas.
Verei o formigueiro por dentro hoje. Tentarei deter as teorias pré-definidas e a lente preconceituosa do olhar. Viva a festa. Somos bons nisso, como também o somos em destruição em massa, chocolate quente e em melancolias intercalantes.

As preciosas palavras passageiras foram escritas ao som de: Pixies e Vivaldi, Megadeth e João Bosco.

Adeus e um lúgubre brinde aos noivos:

De Partida

Vou-me embora
Porque todo dia
É só mais um dia no rol dos dias
E até a lágrima
Queda estagnada de monotonia

Vou-me embora
Pra que o tempo nos cobre em saudade
O que a vida vale,
Pra que o amor seja o que nos distancia
E não o ódio que nos equivale

Vou-me embora
E não quero
Que a nossa tristeza se cale
Que a nossa ferida se cure
E nem que o nosso sangue pare

Vou-me embora
Pra que o espelho não nos compare
Vou-me embora
Pra que seja a vida
Ao invés da morte
O que nos separe.

Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Ouçam, ouçam!!

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Alucinose, putaria, bebedeira e solidão

e se o sul coreano fosse eu?
mas tomei bastante samba e me curei a tempo
antes fosse domesticado pelas FM´s
da nobilíssima classe média com shampoo e creme

Eu não sei de nada
quando cheguei só peguei uma senha
mas o dualismo ainda taí, sua louca
levanta logo acende a luz e veste a roupa


mania morna de querer ser feliz
até machuca a boca desse jeito
o mundo não se concerta assim
olhe pros corpos se roçando e se agredindo
essa dança tem perpetuado duvidosas sementes
bons companheiros só compartilham prazer
o egoísmo é passado, presente é isto aqui

boa nova sai da boca toda hora
e nada muda no quintal
bossa nova sai quentinha do museu
e o Baudelaire, coitado se deu mal
o sangue correndo nas veias
nem cordialidade nem ódio, só pecado industrial


Refrão:
alucinose, putaria e farmácia de plantão
alucinose, quem diria, quase morte no colchão
alucinose, putaria, bebedeira e solidão
agnose, hipocrisia, auto estima pelo chão
agnose, hipocondria é só sangue pastelão
agnose, quem diria o sonho dói na minha mão


Taí o sambinha que fiz ontem a noite(sábado) antes de sair pra beber vinho. Coisas do banho. Inspirado na juventudo muito bem transviada, no portador de distúrbios psíquicos sul coreano e sob influencia discarada de Pink Floyd, Moreira da Silva e claro: Mundo Livre S/A. Salve 04 Salve!!!

sábado, 12 de maio de 2007

Vamos na travessia tomar sol, cerveja e cortar o cabelo?

Ontem a noite passou o filme Machuca na TV Cultura. Chorei feito criança, o que não é novidade quando vejo filmes. Apesar de algumas críticas negativas, o filme pra mim foi catártico, e acho que Aristóteles também ia gostar. Não tem jeito, minha emoção pensa melhor que a razão. Mas voltando, o longa do diretor Andres Wood é bem bonito. Se passa no Chile, na década de 70, onde uma amizade sincera entre duas crianças brota no meio de uma guerra de classes. O contexto é o fim do Governo Allende tomado pelo golpe militar de Pinochet, e aí você já sabe, direita contra esquerda, maniqueísmo, estereótipos e leite condensado.
Eu não sei como se resolve o problema social no mundo, mas certamente não é emprestando tênis adidas, bicicleta e livros pros pobres, e tudo com musiquinha mole pra pessoas como eu chorarem e sentirem como é bela uma amizade verdadeira. Infelizmente a guerra de classes sociais retratada (leia-se ricos vs. pobres) ainda é vista por baixo de nossos narizes latino-americanos. E no fim, fiquei ainda mais sem esperanças. Certamente o Machucado é mais embaixo, mas que o filme é bonito, é...

Curiosamente depois do filme, passou um debate sobre cotas pra negros nas universidades públicas (tudo a ver com o filme não é!). Concordo que as cotas vão institucionalizar um conceito preconceituoso e ultrapassado, qual seja, o de raças. Mas a crítica feita pelos que são contra elas é um apelo ao futuro (Professor Saulo que o diga). É que se cumpra a constituição – direito à ensino de qualidade pra todos. Isso é só uma lei que nunca foi realizada na prática e me digam quando será?

Ah... a política!

Hoje à tarde não cortei a cabeleira , não tomei sol e muito menos cerveja. Apesar de ter feito esse emocionado apelo pra uns amigos do msn, ninguém topou. O que fiz? Ouvi Mundo Livre S/A e estou baixando ansiosamente a música que eles fizeram pro atirador sanguinário da Universidade Virginia Tech. Saca o nome da música: “Cho Seung-Hui song”. Em breve digo o que achei...
Sempre de volta à política, né?

segunda-feira, 7 de maio de 2007

eu sou o herói só deus e eu sabemos como dói

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio


Odeio

Caetano Veloso
2006


veio um golfinho do meio do mar roxo
veio sorrindo pra mim
hoje o sol veio vermelho como um rosto
vênus, diamante, jasmim
veio enfim o e-mail de alguém

veio a maior cornucópia de mulheres
todas mucosas pra mim
o mar se abriu pelo meio dos prazeres
dunas de ouro e marfim
foi assim, é assim, mas assim é demais também

odeio você, odeio você, odeio você
odeio

veio um garoto do arraial do cabo
belo como um serafim
forte e feliz feito um deus, feito um diabo
veio dizendo que sim
só eu, velho, sou feio e ninguém

veio e não veio quem eu desejaria
se dependesse de mim
são paulo em cheio nas luzes da bahia
tudo de bom e ruim
era o fim, é o fim, mas o fim é demais também

odeio você, odeio você, odeio você
odeio




Salve Caetano! Seu novo álbum é seco, cru. As letras estao afiadas, é prazeroso ouvir suas novas canções e...
odeio você, odeio você, odeio você
odeio
Eu não sou eu
um olho na bíblia, outro na pistola
encher os corações e encher as praças
com meu guevara e minha coca-cola
As dúvidas, os impasses, as noites mal dormidas, as páginas em branco na tela do computador ficam para trás compondo uma memória que se quer esquecida ou uma ferida que se quer cicatrizada ou uma espécie de diário de "erros" superados. Essa escrita é "do que"? Essa escrita é "como"? Essa escrita é "para quê"?
eu sou o herói
só deus e eu sabemos como dói
Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro

terça-feira, 1 de maio de 2007

um litro, um século, uma vida
o signo sob medida
que nunca escrevi

onde cabem, em que desvão
com quem estarão
as conquistas que não consegui

em linhas, em vão, tentando me afirmar
sendo pleno, todo e assim mesmo falso
com palavras que só servem pra sentir

se sentir, com esses símbolos me bastasse
se eu da guerra nunca me esquivasse
seria mais uma palavra, mas não feliz

balde, tempo, humanidade
palavras-recipiente pra guardar o que não cabe
em forma alguma de existir



Sobre o que não se pode falar deve-se calar, dizia o bom e velho Wittgenstein. Mas eu quero falar. Quero ter o que não é meu. Não importa como expresso. Não me importo como soa esse infortúnio. Ouvindo Beatriz do Chico, fica a pergunta: Será? Tirando o mundo, uma palavra ainda ecoa na minha cabeça: ( ) palavras...

E se a mosca saiu do vidro e não percebeu que está presa num outro? Um recipiente ainda maior...