Escravos do Mundo Livre

Esteta ou Asceta? Nada disso, no fundo: Divagações de um pateta...

domingo, 28 de dezembro de 2008

Kant e Eu

Existe um filósofo grande

Que no meu pequeno coração

Mora ali, bem no Kantinho

E tal como o esperma pela glande

Sinto fulgurosa sensação

Quando leio o seu livrinho



Não há como negar, a Crítica da Razão Pura mudou minha vida. E esta é minha singela homenagem ao homem que a escreveu, um dos maiores filósofos de todos os tempos, Immanuel Kant.

sábado, 27 de dezembro de 2008

O tempo

"Aristóteles dedicou profundas análises ao conceito de tempo, que antecipam alguns conceitos que Sto. Agostinho desenvolverá e tornará célebres.
Eis o ponto focal da doutrina aristotélica do tempo:

'Que este [o tempo] não exista absolutamente ou que a sua existência seja obscura e dificilmente controlável, poder-se-ia suspeitar pelo que segue. Uma parte dele foi e não é mais, uma parte está para ser e não é ainda. E de tais partes se compõem, seja o tempo na sua infinidade, seja aquele que gradualmente é assumido por nós. E parece impossível que este, compondo-se de não-entes, possua uma essência. Além disso, é necessário que, se existe um todo divisível em partes, no momento em que ele existe, existam também ou todas as partes ou algumas delas. Do tempo, porém, algumas partes existiram, outras ainda existirão, mas nenhuma existe, embora ele seja divisível em partes. Tenha-se ainda presente que o instante não é uma parte: de fato, a parte tem uma medida, e o todo deve resultar composto de partes, enquanto o tempo não parece ser um conjunto de instantes.'

Que é, então, o tempo? Aristóteles tenta resolver o mistério em função de dois pontos de referência: o movimento e a alma: se prescindimos desta ou daquela, a natureza do tempo nos escapa.
Contudo, o tempo não é movimento e mudança, mas implica essencialmente movimento e mudança:

'A existência do tempo [...] não é [...] possível sem a da mudança; quando, de fato, não mudamos nada dentro da nossa alma e não percebemos qualquer mudança, parece-nos que o tempo absolutamente não passou. '

E dado que o tempo implica tão estreitamente o movimento, pode ser considerado uma afecção ou propriedade dele. E que pro priedade? O movimento, que é sempre movimento através de um espaço contínuo, é, também ele, por conseqüência, contínuo. Contínuo deverá ser o tempo, porque a quantidade de tempo transcorrida é sempre proporcional ao movimento. E no contínuo distinguem-se o antes e o depois, que, conseqüentemente, têm um correlativo no movimento e, portanto, no tempo:

'Quando determinamos o movimento mediante a distinção do antes e do depois, conhecemos também o tempo, e então dizemos que o tempo cumpre o seu percurso, quando remos percepção do antes e do depois do movimento. '

E eis a célebre definição do tempo:

'Tempo é a medida do movimento segundo o antes e o depois. '

Ora, a percepção do antes e do depois, e, portanto, da medida do movimento, necessariamente supõe a alma:

'Quando [...] pensamos as extremidades como diferentes do meio e a alma sugere-nos que os instantes são dois, o antes e o depois, então nós dizemos que há entre esses dois instantes um tempo, já que o tempo parece ser o que é determinado pelo instante: e isso fique como fundamento. '

Mas se a alma é o princípio espiritual que mede e a condição da distinção do numerador e do número, então a alma torna-se conditio sine qua non do próprio tempo, e compreende-se bem a aporia que Aristóteles levanta nessa passagem de incomensurável importância histórica:

'Poder-se-ia [...] duvidar da existência do tempo, sem a existência da alma. De fato, se n se admite a existência do numerante, é também impos sível a do numerável, de modo que, obviamente, nem o número existirá. Número, com efeito, é ou o que foi numerado ou o numerável. Mas se é verdade que, na natureza das coisas, só a alma ou o intelecto que está na alma têm a capacidade de numerar, torna-se impossível a existência do tempo sem a da alma [...].' "


Mais um excerto da História da Filosofia Antiga!

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Muitas coisas de uma e uma de muitas

Estava com um batom vermelho, um pouco borrado no lábio inferior. Seu vestido antigo e esfarrapado tinha cores vivas. O cabelo, despenteado, tendia ora para o cinza claro, ora para o negro. Ao olhar seu rosto, se via uma certa preocupação. Andava de um lado a outro, ansiosa. Estava resmungando alguma coisa, e na primeira vez que cruzei com ela no seu vaivém, parecia dizer:

Não foi assim que pensei, eles estão...

Continuou seu vaguear e não deu pra ouvir o complemento da sentença. Sem que ela percebesse, tentei ficar mais próximo para entender melhor, e foi isso que ouvi:

A cebola assou na brasa boa você não está no lombo do cavalo brincando como ensinei muitas coisas de uma e uma de muitas chão quente eu gosto mais de todos mas de vez em quando eu não pedi pra isso acontecer agora como é que vai ficar? eu sou o uno e preciso...

Foi quando percebeu que eu estava ouvindo. Veio em minha direção e olhou nos meus olhos durante alguns segundos. Respirou fundo e, ainda me encarando, disse:

Então você é Deus também?

Desconcertado, não consegui dizer nada. Ela voltou a andar. Agora em silêncio.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O velhaco do Platão

Vivemos coagidos pela lei do desejo. Esse impulso manda e desmanda, ao sabor das estações. O apelo aos prazeres, a sedução do poder (seja ele qual for) e dos bens materiais é constante. É forte o desejo de conquistar e possuir tudo: de coisas a pessoas.
Daí pra canalhice, pra desconsiderar os tão dessemelhantes semelhantes e se portar de uma maneira injusta, vil e afastada de um Bem, que não sabemos bem qual é, é um pulo. Os exemplos das pessoas “bem sucedidas” estão aí pra reafirmar os valores da esperteza e de como se passar por cima de tudo e todos.
Mas por que chover no molhado assim, pergunta você, já impaciente? Bem, eu respondo calmamente, o egoísmo como o guia mais alto de nossas vidas tem me causado profundo desconforto. Sem contar os inúmeros conflitos dele advindos, que me atormentam. Valores temos, é certo. Mas será que estamos satisfeitos com eles? Foi respondendo negativamente a essa pergunta que me vi desamparado: pra quem apelar?
Triste e só. Buscando o efêmero consolo do álcool, do sexo e da arte, percebi que nada disso dura como princípio último e regulador de nossas pobres vidas. São prazeres sensíveis e como tudo que é sensível, é corruptível, mortal. Devemos então buscar algo não sensível e, por conseguinte não corruptível. E eis que foi no barbudo Platão que encontrei uma idéia que muito me agradou e agora a compartilho no vazio da rede.

Uma introdução tão fraquinha só pra transcrever esse belo trecho de Giovanni Reale elucidando a ética de Platão que tanto me encantou. Agora o coloco aqui pra ver se comove mais alguém.

No Górgias, pela primeira vez, Platão afronta todos os problemas fundamentais relativos à vida do homem, que se lhe apresenta dramaticamente, como em nenhum dos escritos precedentes, em todas as suas mais gritantes e trágicas contradições: Sócrates, o justo, foi morto e, ao contrário, o injusto parece triunfar; o virtuoso e justo está à mercê do injusto e sofre todas as suas agressões; o vicioso e o injusto parecem, ao contrário, felizes e satisfeitos com as suas prepotências; o político justo sucumbe, o político sem escrúpulos se impõe; o bem é que deveria triunfar e, ao contrário, é o mal que parece prevalecer. De que lado está a verdade? Cálicles, um dos protagonistas do diálogo, que exprime as tendências mais extremistas amadurecidas naquela época (como vimos, falando dos epígonos dos sofistas), não hesita em proclamar, com a mais deslavada impudência, que a verdade está do lado do mais forte, isto é, daquele que sabe zombar de tudo e de todos, gozar de todos os prazeres, satisfazer a todas as paixões, saciar todo desejo, buscar todos os meios que servem a seus fins; a justiça é uma invenção dos fracos, a virtude uma estultície, a temperança um absurdo; quem se abstém dos prazeres, é moderado e governa suas paixões é um estulto, porque a vida que ele vive é, em realidade, igual a uma morte.
É justamente em resposta a essa visão extrema que Platão, avançando além de Sócrates, reencontra a verdade do ensinamento órfico-pitagórico. Cálicles e todos aqueles (pseudo-sofistas e homens políticos do tempo) dos quais Cálicles é símbolo dizem que a vida do virtuoso, que mortifica os instintos, é vida sem sentido e, portanto, morte. Mas, que é a vida? E que é a morte? Essa que chamamos vida não poderia acaso ser morte e, ao contrário, ser verdadeira vida aquela que começa com a morte?
[...]
Viver para o corpo (como faz a maior parte dos homens) significa viver para aquilo que está destinado a morrer; viver para a alma significa, ao contrário, viver para aquilo que está destinado a viver sempre, significa viver purificando a alma por meio de um progressivo desapego do corpóreo.
Se, nesta vida, o justo é vítima das opressões dos injustos, ao ponto de ser impunemente vítima de bofetadas, pois bem, ele sofre no corpo e pode, em caso extremo, perder o corpo; mas, perdendo o corpo, perde o que é mortal, ao passo que salva a alma para a eternidade.

Alguma semelhança com uma certa religião? Sim sim, Platão é um gênio mesmo, e preconizou inúmeras formas de pensar tão repetidas através dos séculos. Mas não saiam por aí querendo fundar uma Igreja Platônica da Alma Eterna! A alma está inserida na metafísica platônica e é coerente com sua doutrina do mundo supra-sensível, sendo um dos fundamentos racionais de sua teoria filosófica. Não é somente uma questão de fé, pois, embora aqui, a destaquemos simplesmente na sua componente místico-religiosa, restam ainda duas componentes, uma política e uma metafísica, como esclarece Reale:

“A existência de uma alma imortal, que unicamente pode dar sentido à visão da vida que descrevemos, não permanece mais mera crença nem somente fé e esperança, mas é racionalmente demonstrada. No orfismo tratava-se de uma simples doutrina misteriosófica; nos pré-socráticos que tinham aceitado a visão órfica, era um pressuposto em contraste com seus princípios físicos; em Platão, ao contrário, está fundamentada e apoiada perfeitamente sobre a metafísica, isto é, sobre a doutrina do supra-sensível, da qual se torna como que um corolário: a alma é a dimensão inteligível e imaterial do homem, e eterna como é eterno o inteligível e imaterial.”

Referência: Reale, G. (1994) História da Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola

Era o fundamento filosófico que eu precisava! Estou doando todos os meus incontáveis bens materiais, façam fila... Adeus, pois uma vida ascética me aguarda. Embora perecível e destinado a morrer, foi um prazer.

domingo, 21 de dezembro de 2008

( )

o desejo que me move
não conhece moral alguma
fere, queima e dilacera
quem eu amo sem gostar
e se desfaz bem diante
de quem eu gosto sem amar
é mais cruel comigo
do que com você
que sente seu deslizar
eu sofro antes e depois
mesmo que no durante
eu me deleite devagar

stella akiré
in
ser uma mulher no escuro